Antonio José de Barros Carvalho e Mello Mourão (Palmares, PE, 1952 - Rio de Janeiro, RJ, 2016). Escultor, desenhista e artista performático. Torna os objetos utilizados em suas obras elementos de performance, criando analogias entre corpo e escultura.
Filho do poeta e escritor Gerardo Melo Mourão (1917-2007) e de Léa de Barros (1922-?), retratada no quadro As Gêmeas (1940), do pintor Alberto da Veiga Guignard (1896-1962), convive desde cedo com a literatura e com as artes plásticas, experiências que marcam sua formação.
Muda-se para o Rio de Janeiro e, na década de 1970, inicia sua obra, que se aproxima da produção de artistas de diferentes vertentes da arte contemporânea brasileira, como Cildo Meireles (1948), Waltercio Caldas (1946) e José Resende (1945). A relação entre representação, linguagem e realidade, tema-chave para essa geração de artistas, está presente em muitos dos trabalhos do escultor. Neles, corpo e desejo tornam-se componentes ativos da investigação, na qual são incluídos itens de outras áreas de conhecimento, como literatura, filosofia, psicanálise, teatro, matemática, física e biologia.
Em 1974, conclui o curso de arquitetura e urbanismo na Universidade Santa Úrsula. No mesmo ano, realiza sua primeira exposição individual, Museu da Masturbação Infantil, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ), onde expõe conjuntos de desenhos marcados por um "erotismo mental": espécie de atitude reflexiva em torno do desejo humano, em que as formas não representam nada de específico, mas a tensão sexual pode ser inferida em ambíguas sugestões fálicas ou nos títulos das obras.
Nos objetos e esculturas, as formas e materiais se entrelaçam, em analogia à cópula, atualizando a proposta dos surrealistas de que, nos poemas e obras, as palavras fariam amor. Segundo o crítico inglês Guy Brett (1942), por meio da imersão na matéria e no mundo físico, Tunga estabelece "uma surpreendente e inesperada analogia ou ponto de encontro entre energias 'esculturais' e as do corpo humano"[1].
Ao construir sua obra, Tunga opera no cruzamento entre objeto, performance e texto. Suas esculturas constroem narrativas, das quais os textos são componentes. Além disso, os objetos utilizados em performances figuram como agentes detonadores de processos. Mesmo em espaços expositivos, os objetos assumem dimensão performática, como resíduos ou dejetos de determinada ação deixados no ambiente. O artista chama esses objetos de "instaurações", uma imbricação entre as categorias artísticas de "ação" - pertencente ao universo da performance e do teatro - e "instalação" - objetos montados em espaço expositivo -, de modo a incluí-los como parte da experiência artística.
Colabora, nos anos seguintes, para a revista Malasartes e o jornal independente A Parte do Fogo, ambos de curta duração[2]. Em 1981, integra a 16ª Bienal de São Paulo, onde apresenta o filme-instalação Ão. Filmado em 16mm, ele constrói a projeção em um toro imaginário no interior do Túnel Dois Irmãos (atual Túnel Zuzu Angel), no Rio de Janeiro. Essa projeção é acompanhada pela repetição de um trecho da música Night and Day, do compositor Cole Porter (1891-1964), cantada por Frank Sinatra (1915-1998), criando a sensação de uma viagem infinita.
Em outubro de 1985, publica um encarte na revista Revirão 2 - Revista da Prática Freudiana, com imagens da performance Xifópagas Capilares (1984), acompanhadas da narrativa sobre a origem da obra. A relação que os textos de Tunga mantêm com as demais dimensões da obra está exemplificada nessa produção, uma vez que no encarte encontram-se fotografias de uma série de trabalhos realizados no início da década de 1980, como Les bijoux de Mme. De Sade (1982); Troféu (1984); Toros, joias de Mme. De Sade (1983), um registro da performance Xifópagas Capilares, fotogramas do filme Ão. As imagens parecem ilustrar pequenos trechos do texto que fecha o encarte. A narrativa apresenta, por um lado, o estilo de relato científico, e, por outro, aproxima-se da literatura fantástica latino-americana, como a do escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986). Ao longo do texto, encontram-se referências a objetos criados por Tunga, que lhes atribuem uma origem e produzem entre eles um vínculo para além da forma. Embora seja difícil estabelecer relação causal entre texto e objetos, é possível afirmar que, ao mesmo tempo que as peças parecem ter saído de dentro do texto, são elas que alimentam a dinâmica da narrativa. Desse modo, texto e obras configuram um sistema contínuo que suspende os limites entre literatura, performance e objeto, lançando-se no campo especulativo da linguagem.
A noção de sistema contínuo permite compreender que a dimensão simbólica dos objetos de Tunga não conduz à ideia de um todo uniforme, do qual cada peça individual é parte. Antes, cada peça, cada texto e cada ação remetem a uma produção contínua de formas e narrativas, que se prolongam sem princípio ou finalidade evidentes. Também vem dessa concepção o interesse do artista pela figura matemática do toro - que aparece no filme-instalação Aõ: sendo um produto da rotação de uma superfície circular em torno de uma circunferência, o toro configura também um sistema contínuo.
Os sistemas contínuos de Tunga têm uma origem: o espaço fantasmático entre corpo e psique. Esse espaço obedece a temporalidade e espacialidade singulares, dominadas por pulsões eróticas e combinações inconscientes. O curador argentino Carlos Basualdo (1964) define esse movimento como "tendência ao transbordamento e à profusão mediada por um delicado sentido de equilíbrio e composição"[3], que ele chama também de "tensão barroca".
Tunga entende os sistemas contínuos de esculturas que cria como elementos que se desdobram no espaço, organizando-o em uma experiência que envolve corpo e mente. São objetos que têm o poder de fazer aparecer a força poética dos gestos, como sugere Ronaldo Brito ao referir-se a obras como Trança (1984).
Se entre os materiais mais utilizados no início da carreira estão ferro, aço, latão, lâmpadas, correntes, ímãs, feltro e borracha, a partir da década de 1990, Tunga explora materiais mais orgânicos e fluidos, como a gelatina, que recobre os sinos em Cadentes Lácteos (1994), ou a pasta de maquiagem, com a qual sete meninas, que participam da ação Floresta Sopão (2002), recobrem objetos e os próprios corpos.
Tunga é um dos primeiros artistas contemporâneos a expor no Museu do Louvre, Paris, com a obra À Luz de Dois Mundos (2005). Mais tarde, em 2012, inaugura espaço dedicado à sua produção, a Galeria Psicoativa, localizada no Instituto Inhotim, na cidade de Brumadinho, Minas Gerais. Suas obras integram importantes acervos de museus nacionais e internacionais.
Em 2016, é inaugurada a exposição póstuma Pálpebras, na Galeria Millan, com obras inéditas. No ano seguinte, integra a sequência de mostras sobre sexualidade realizadas no Museu de Arte de São Paulo (Masp) com Tunga: O Corpo em Obras.
Notas
1. BRETT, Guy. Tunga: tudo simultaneamente presente. In: MACIEL, Katia (Org.). Brasil experimental: arte/vida, proposições e paradoxos. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2005.
2. Publicações cariocasa dedicadas à produção de arte moderna no país. A revista Malasartes publica três edições, entre os anos de 1975 e 1976. O jornal A Parte do Fogo tem apenas uma única edição, publicada em 1980.
3. BASUALDO, Carlos. Catálogo da Exposição: Tunga 1977-1997. Caracas: Fundación Museo Alejandro Otero, 1998.
TUNGA . In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2021. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa376775/tunga>. Acesso em: 25 de Jun. 2021. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7