Rosângela Rennó Gomes (Belo Horizonte, MG, 1962). Artista intermídia e fotógrafa. A singularidade da artista está na forma como ela ressignifica a função da fotografia, bem como no jogo que estabelece entre memória e esquecimento, por meio da manipulação de fotografias e objetos recolhidos de arquivos diversos em sua relação com o ambiente expositivo.
Forma-se em arquitetura pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1986, e em artes plásticas pela Escola Guignard, em 1987. No final da década de 1980, cria suas primeiras obras, que têm como base fotografias de álbuns de família. Na série Conto de Bruxas (1988), subverte as ilustrações de histórias infantis e lhes dá um caráter surrealista. Já na série Pequena Ecologia da Imagem (1988), a artista se apropria, pela primeira vez, de fotografias de anônimos, o que se constitui como ponto central de sua obra.
Um de seus principais trabalhos focados na questão do anonimato é Imemorial (1994), constituído por fotografias 3 x 4 de operários que trabalham na construção da cidade de Brasília na década de 1950, pesquisadas no Arquivo Público do Distrito Federal. Ao recuperar essas imagens e expô-las em outro contexto sociocultural, Rennó procura despertar não só a empatia pelo sujeito representado, mas também a reflexão sobre um passado muitas vezes esquecido ou silenciado, que constitui sua história.
Segundo Rosemary Gondim, a recontextualização dessas imagens pode "[...] nos levar a conceber visões configuradas a partir de novas narrativas e da produção de subjetividades postas em novas condições de experiência e fruição do público" [1]. Nesse trabalho de ressignificação, Rosângela Rennó provoca ainda uma reflexão sobre a fotografia enquanto objeto, mais especificamente sobre a função social que se atribui a ela: a de representar a realidade de forma objetiva.
Em sua busca por pensar as discursividades da fotografia, em 1992, a artista inicia o projeto Arquivo Universal, que consiste em um banco de dados virtual, composto de trechos de textos jornalísticos que contêm referências a imagens fotográficas. Com base nesse banco de dados, Rosângela Rennó produz, ao longo de sua carreira, uma série de instalações artísticas, como In Oblivionem (1994/1995), constituída de três séries de fotografias articuladas a fragmentos de textos: Álbum de Família (1994), Mulheres (1994) e No LandScape (1995).
A segunda série, denominada Mulheres, apresenta uma fotografia de uma menina, similar aos registros etnográficos de indígenas, acompanhada de um texto em que a Funai exige de uma empresa o pagamento de indenização a uma garota indígena de 15 anos, estuprada por seus técnicos quando faziam prospecção em terras indígenas. A relação entre imagem e texto remete à violência do colonizador contra o povo indígena no processo de conquista e colonização do Brasil. De acordo com Talita Mendes, "a imagem da fotografia, em estado de desaparição, associada à notícia materializa o apagamento da pluralidade, do outro"[2].
Identifica-se, aqui, mais uma vez, a preocupação de Rennó em recuperar, por meio da recontextualização da imagem, aquilo que é intencionalmente esquecido, em verdade, silenciado. Nessa obra, por refletir sobre a questão da representação, pode-se destacar, também, a influência do artista norte-americano Joseph Kosuth (1945), um dos fundadores da arte conceitual dos anos 1960, na obra de Rennó.
Titula-se doutora em artes pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), em 1997. Recebe bolsas da Civitella Ranieri Foundation, de Umbertide, Itália (1995); da Fundação Vitae, de Liechtenstein, Alemanha (1998); e da John Simon Guggenheim Memorial Foundation, de Nova York (1999). Realiza uma série de exposições individuais, como Insólidos, em Lisboa (2015), e participa de exposições coletivas, como Passado/Futuro/Presente: Arte Contemporânea Brasileira no Acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo, em São Paulo (2019).
Rosângela Rennó contribui para a arte contemporânea brasileira tanto por suas constantes inovações artísticas quanto por sua busca em fazer memorar a história dos esquecidos, que, assim como a história oficial contada nos livros, constitui a narrativa e a diversidade cultural brasileira.
Notas
1. GONDIM, Rosemary Monteiro. IMEMORIAL: fotografia e reconstrução da memória em Rosângela Rennó. Estudos de Sociologia, v. 1, n. 17, 2011. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revsocio/article/view/235223/28248.
2. MENDES, Talita. In Oblivionem e o estado de desaparição da imagem: paradigmas de visualidade e escritura. In: ENCONTRO DE HISTÓRIA DA ARTE, 11., 2015. Anais… Campinas: Unicamp, 2015. p. 551. Disponível em: https://www.ifch.unicamp.br/eha/atas/2015/Talita%20Mendes.pdf.
ROSÂNGELA Rennó. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2021. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa10376/rosangela-renno>. Acesso em: 25 de Jun. 2021. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7