Nelson Leirner (São Paulo, SP, 1932 - Rio de Janeiro, RJ, 2020). Artista intermídia e professor universitário. Suas obras e ações se caracterizam pelo teor reflexivo e polemista. Alternando entre crítica política e social, remissões à arte e ao mercado e referências a divindades e animais, transforma objetos cotidianos em alegorias das situações que pretende destacar.
Filho da escultora Felícia Leirner (1904-1996) e do empresário Isaí Leirner (1903-1962), tem contato com a arte moderna desde a infância. Seus pais ajudam a fundar o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP) e convivem com boa parte da vanguarda brasileira. Essa proximidade, no entanto, não desperta de imediato o interesse de Leirner pela arte.
Reside nos Estados Unidos, entre 1947 e 1952, onde estuda engenharia têxtil no Lowell Technological Institute, em Massachusetts, mas não conclui o curso. Resolve tornar-se artista apenas na década de 1950, estimulado por trabalhos do pintor Paul Klee (1879-1940). Em 1956, passa a ter aulas de pintura com o artista catalão Joan Ponç (1927-1984), e, em 1958, frequenta, por curto período, o Atelier-Abstração, de Flexor (1907-1971). Não se entusiasma com os cursos. Suas telas se aproximam da abstração informal de pintores como Alberto Burri (1915-1955) e Antoni Tàpies (1923-2012).
Entre 1961 e 1964, continua com a pesquisa de materiais, mas com outra direção. Interessado nas poéticas dadaístas, produz seus quadros com objetos recolhidos na rua, gerando a série Apropriações. Em 1964, o artista abandona a pintura e passa a trabalhar com elementos prontos, fabricados industrialmente. Recolhe objetos de uso e desloca seu sentido, como em Que Horas São D. Candida (1964). Seus trabalhos estão entre a escultura e o objeto.
A participação do espectador é incorporada a obras como Você Faz Parte I e II, (1966). Nesse ano, funda o Grupo Rex, com os artistas Wesley Duke Lee (1931-2010), Geraldo de Barros (1923-1998), Carlos Fajardo (1941), José Resende (1945) e Frederico Nasser (1945). O coletivo promove happenings e publica o jornal Rex Time. O grupo se volta a problemas como as relações da arte com o mercado, as instituições e o público, sendo tudo isso abordado com base nas linguagens radicais dos anos 1960.
Em 1967, monta a exposição Da Produção em Massa de uma Pintura. Mostra a série Homenagem a Fontana, uma das primeiras séries de múltiplos do país. As "pinturas" são produzidas industrialmente, feitas de zíperes e tecidos, objetos que tradicionalmente não têm propriedades artísticas. No mesmo ano, envia seu Porco Empalhado (1966) para o 4º Salão de Arte Moderna de Brasília. O júri aceita o trabalho. Leirner questiona o resultado e solicita publicamente, pelo Jornal da Tarde, uma manifestação explícita dos critérios de admissão da mostra, criando uma polêmica com críticos como Mário Pedrosa (1900-1981) e Frederico Morais (1936), que fica conhecida como "happening da crítica". Ainda em 1967, realiza a Exposição-Não-Exposição, happening de encerramento das atividades do Grupo Rex, em que oferece obras de sua autoria gratuitamente ao público.
Realiza seus primeiros múltiplos, com lona e zíper sobre chassi. É também um dos pioneiros no uso do outdoor como suporte. Por motivos políticos, fecha sua sala especial na 10ª Bienal Internacional de São Paulo de 1969, e recusa convite para outra em 1971.
A partir da década de 1970, o teor questionador do trabalho migra da ação direta para um sentido alegórico, que muitas vezes envolve o erotismo. O happening tem menos presença que o desenho e a instalação. Nessa época, Leirner se dedica a outras linguagens, como o design, os múltiplos e o cinema experimental, e cria grandes alegorias da situação política contemporânea em séries de desenhos e gravuras. Em 1974, expõe a série A Rebelião dos Animais, com trabalhos que criticam duramente o regime militar, pela qual recebe da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) o prêmio melhor proposta do ano.
Em 1975, a APCA encomenda-lhe um trabalho para entregar aos premiados, mas a Associação recusa-o por ser feito em xerox. Por isso, como protesto, os artistas não comparecem ao evento. De 1977 a 1997, leciona na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo, onde tem grande relevância na formação de várias gerações de artistas.
A presença de elementos da cultura popular brasileira, marcante desde os anos 1960, cresce a partir da década de 1980. Em 1985, realiza a instalação O Grande Combate, em que utiliza imagens de santos, divindades afro-brasileiras, bonecos infantis e réplicas de animais. Pretende converter em arte o que é considerado banal.
Muda-se para o Rio de Janeiro em 1997, e coordena o curso básico da Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV/Parque Lage). A partir dos anos 2000, seu trabalho se apropria de imagens artísticas banalizadas pela sociedade de consumo. De maneira bem-humorada, lida com as reproduções da Gioconda [Mona Lisa] (1503/1506), de Leonardo da Vinci (1452-1519), e a Fonte (1917), de Marcel Duchamp (1887-1968), como tema artístico. Com a mesma ironia, o artista replica sobre couro de boi imagens da tradição concreta brasileira, na série Construtivismo Rural.
Com uma carreira profícua, de obras heterogêneas e de teor crítico e reflexivo, Leirner torna-se, enquanto produtor e educador artístico, uma figura importante para o desenvolvimento da arte moderna no Brasil.
NELSON Leirner. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2021. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa9429/nelson-leirner>. Acesso em: 14 de Jun. 2021. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7